Crédito Restrito e Valorização Persistente

O setor imobiliário brasileiro navega em águas turbulentas, marcadas por um paradoxo que define 2025: enquanto os preços disparam em mercados estratégicos, a crise de acessibilidade se aprofunda para a classe média. O preço médio do metro quadrado residencial atingiu R$ 9.375 em julho, uma alta de 7,97% em doze meses que supera a inflação do período (5,3%). Capitais como Salvador lideram essa valorização com saltos históricos de 20,63%, seguida por Vitória (17,09%) e Curitiba (14,43%), segundo o Índice FipeZAP. Esse movimento, impulsionado por migrações internas e infraestrutura urbana, contrasta com a estagnação em Rio de Janeiro e Brasília, onde os crescimentos não ultrapassam 4,7%. No centro dessa dinâmica, fatores como a reformulação do crédito habitacional, a hegemonia do Minha Casa, Minha Vida e as novas demandas pós-pandemia reconfiguram o setor .

A revolução silenciosa no financiamento imobiliário promete reescrever as regras do jogo. Até o fim de agosto, o Conselho Monetário Nacional (CMN) anunciará um modelo que desvincula a caderneta de poupança do direcionamento compulsório para empréstimos. No sistema atual, os bancos devem alocar 65% dos depósitos do SBPE (Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo) para crédito imobiliário e recolher 20% ao Banco Central. O novo esquema permitirá que as instituições usem livremente os recursos da poupança — desde que concedam financiamentos habitacionais equivalentes. Por exemplo: para cada R$ 100 emprestados via Letras de Crédito Imobiliário (LCI), os bancos liberam R$ 100 da poupança para outras aplicações. A medida visa atrair funding de mercado e dobrar o estoque de crédito imobiliário em uma década, saltando de 10% para 20%-30% do PIB, patamar de países como Chile e Colômbia. Estimativas apontam que R$ 35 bilhões do compulsório serão liberados já no primeiro ano, com foco em imóveis de até R$ 750 mil. Para Luiz França, presidente da Abrainc, a mudança é urgente: “82% do mercado precisa de taxas abaixo de 12% para viabilizar projetos, mas a Selic a 15% inviabiliza lançamentos” .

Nesse cenário de crédito restrito, o Minha Casa, Minha Vida (MCMV) emerge como âncora do setor. Dados da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC) revelam que o programa foi responsável por 53% dos lançamentos e 47% das vendas no primeiro trimestre de 2025, impulsionando um crescimento de 15,7% nas transações residenciais. O Nordeste liderou esse avanço com alta de 27,3%, seguido pelo Norte (16,5%). A consolidação da Faixa 4 — voltada a famílias com renda de até R$ 12 mil — e subsídios estaduais e municipais explicam parte desse desempenho. Contudo, o programa enfrenta tensões: em 2024, atingiu o maior número de contratos para imóveis usados na história, gerando preocupação em construtoras que defendem prioridade para projetos novos. Essa dualidade reflete um mercado fragmentado, onde programas sociais e imóveis de luxo (menos dependentes de crédito) prosperam, enquanto a classe média enfrenta barreiras .

As demandas comportamentais pós-pandemia continuam a moldar o perfil dos imóveis. Espaços multifuncionais, que integram home office, academias e áreas de lazer, tornaram-se requisitos não negociáveis. Em São Paulo, apartamentos compactos (até 70m²) tiveram alta de 40,6% nas vendas nos primeiros meses de 2025. Ely Wertheim, do Secovi-SP, observa: “As pessoas passaram a valorizar espaços funcionais, mesmo menores, em detrimento de aluguéis”. Paralelamente, a sustentabilidade migrou de diferencial para exigência de mercado: 80% dos compradores abaixo dos 40 anos consideram sistemas de energia solar, reaproveitamento de água e materiais recicláveis decisivos na compra, segundo a CBIC. Certificações como LEED e AQUA-HQE influenciam não apenas o valor de revenda, mas também o acesso a linhas de financiamento específicas. A tecnologia, por sua vez, redefine a experiência de compra: tours virtuais aumentam as conversões em 40%, embora exijam precisão jurídica para evitar litígios por vícios ocultos .

Apesar do cenário macroeconômico desafiador — com a Selic em 15% e tensões comerciais globais —, nichos específicos oferecem resiliência. O aluguel por temporada destaca-se em cidades como São Paulo e Balneário Camboriú, com rentabilidade mensal de até 1,4%. Condomínios com infraestrutura de “clubes” (spas, quadras esportivas) atraem 60% dos compradores de médio-alto padrão. Estratégias como home staging (preparação de imóveis para venda) e pequenas reformas elevam o valor de locação em até 30%. Contudo, riscos permanecem: a inadimplência atinge níveis recordes, pressionando o crédito, e fundos imobiliários enfrentam volatilidade diante de discussões sobre tributação de dividendos. Eventos como o SEBRAMI (Seminário Brasileiro do Mercado Imobiliário), em novembro em São Paulo, surgem como espaços vitais para discutir saídas coletivas .

Perspectivas para o último quadrimestre de 2025 sugerem cautela otimista. A expectativa de queda gradual da Selic em 2026 pode reoxigenar o crédito, e a reforma do financiamento habitacional tende a ampliar o acesso progressivamente. Contudo, a inflação e as incertezas fiscais exigem atenção. Como resume Coriolano Lacerda, da OLX: “A pandemia mudou a mentalidade: ter um imóvel próprio, ainda que pequeno, virou prioridade mesmo com juros altos”. Essa mentalidade, aliada à inovação institucional, mantém o setor como pilar estratégico da economia brasileira em tempos de transformação .

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