Aluguel pode disparar 190% com nova carga fiscal sobre imóveis

Um terremoto fiscal de proporções históricas está prestes a atingir o já combalido mercado imobiliário brasileiro. A partir de 2026, a tributação sobre a locação de imóveis sofrerá um aumento que beira o confiscatório, com impactos estimados em até 190% para determinadas modalidades, de acordo com estudos setoriais citados por especialistas consultados pelo TRATEAQUI Notícias. A Reforma Tributária, materializada na Lei Complementar nº 214/2025, introduz o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) sobre os aluguéis, criando uma camada adicional de tributos que incide diretamente sobre uma das despesas mais sensíveis do orçamento familiar: a moradia. O que o governo comercializa como uma simplificação revela-se, na prática, um aumento de carga tributária puro e simples, que penalizará o contribuinte e desestimulará o investimento produtivo em um setor crucial para a economia.

A mudança representa uma revolução copernicana na forma como o Estado enxerga o pequeno e médio investidor imobiliário. Atualmente, a pessoa física que aufere renda com aluguel tributa esse valor apenas via Imposto de Renda, pela tabela progressiva ou pelo carnê-leão. A partir do próximo ano, essa mesma renda passará a ser tributada também pelo IBS (que substitui ISS e ICMS) e pela CBS (que substitui PIS e Cofins) . A justificativa legal para a mudança é que proprietários com múltiplos imóveis e alta receita estariam exercendo uma “atividade econômica”, equiparando-os a empresas. O critério definido pelo art. 251 da lei é claro: serão contribuintes dos novos impostos as pessoas físicas que possuírem mais de três imóveis alugados e tiverem uma receita bruta anual superior a R$ 240 mil (o equivalente a R$ 20 mil mensais) . O TRATEAQUI Notícias apurou que esse limite, aparentemente elevado, atinge uma massa significativa de aposentados e pequenos investidores que constituíram um patrimônio imobiliário como poupança de longo prazo.

O impacto financeiro concreto é assustador. Embora a alíquota nominal combinada do IBS e da CBS esteja estimada em torno de 25% a 27%, a lei prevê um redutor de 70% na base de cálculo para locações residenciais, o que levaria a uma alíquota efetiva de aproximadamente 8% . No entanto, este cálculo oficial esconde a realidade. Quando se soma essa nova tributação ao Imposto de Renda, que continua incidindo, a carga tributária total sobre a receita do aluguel pode facilmente alcançar a marca de 35,9% para contribuintes na faixa máxima do IR . Para piorar, especialistas do setor alertam que a carga real pode ser muito mais pesada em determinados casos. Um estudo da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC) projetou aumentos de custo que variam de 15,4% a 51,7% , enquanto o Secovi-SP chega a alertar para impactos superiores a 130% em alguns empreendimentos, considerando a combinação de IBS, CBS e IR . A estimativa de 190% para modalidades como a locação por temporada, com redutor menor, não parece fora da realidade.

A pergunta que todo inquilino deve fazer é: quem vai pagar essa conta? A resposta, segundo a lógica econômica mais elementar, é o consumidor final. O IBS e a CBS são tributos sobre o consumo, e o locador, na condição de contribuinte, terá todo o incentivo para repassar o custo integral ao valor do aluguel . Isso significa que mesmo pessoas que alugam um único imóvel para residir, e que portanto não se enquadram como contribuintes dos novos impostos, sentirão o impacto diretamente no bolso. O mecanismo de repasse será inevitável, seja por meio de reajustes mais agressivos nos contratos novos, seja pela incorporação da nova carga tributária na planilha de custos dos proprietários durante as renovações. Em um país onde o déficit habitacional já é crônico e a inflação corrói o poder de compra, este aumento adicional sobre o custo da moradia atua como um imposto sobre a pobreza, dificultando ainda mais a vida de quem não tem condições de adquirir um imóvel próprio.

Para o investidor, o cenário é de desalento. A rentabilidade líquida dos imóveis para locação, já comprometida por fatores como a alta do IPTU e dos custos de manutenção, será severamente comprimida. Muitos pequenos proprietários podem simplesmente decidir que o jogo não vale mais a pena. A alternativa de constituir uma pessoa jurídica, como uma holding patrimonial, para tentar otimizar a tributação existe, mas traz complexidade administrativa e custos adicionais que a maioria dos investidores individuais não está preparada para arcar . O resultado mais provável será uma retração na oferta de imóveis para alugar, pois propriedades ociosas podem se tornar mais interessantes financeiramente do que as arriscadas e agora mais tributadas locações. Menos oferta com a mesma demanda, é sabido, leva a preços ainda mais altos, criando um ciclo vicioso de carestia da moradia.

A implementação será gradual, mas os efeitos serão sentidos logo. O período de transição está previsto para ocorrer entre 2026 e 2033, com alíquotas simbólicas nos dois primeiros anos para “testar o sistema” . No entanto, a partir de 2028, a carga começará a subir de forma progressiva. Paralelamente, a criação do Cadastro Imobiliário Brasileiro (CIB), uma espécie de “CPF do imóvel”, permitirá à Receita Federal cruzar dados com precisão cirúrgica, tornando praticamente impossível a sonegação e enterrando de vez os “acordos de cavalheiros” que ainda persistiam no mercado . A fiscalização automatizada é bem-vinda do ponto de vista da isonomia, mas chega acompanhada de um aumento generalizado do custo de vida.

Segundo apuração da equipe do TRATEAQUI Notícias, a insegurança jurídica é outro componente preocupante. Contratos de locação de longo prazo, celebrados antes da reforma, especialmente os que têm cláusulas de “valor líquido” para o proprietário, tornar-se-ão uma arena de disputa. Locadores terão dificuldade para repassar os novos tributos, e a via judicial pode se tornar o único caminho, com base na teoria da imprevisão . O Judiciário, no entanto, tem histórico de ser parcimonioso em revisões contratuais, o que pode deixar o proprietário preso a um contrato que se tornou antieconômico da noite para o dia. Para novos contratos, a recomendação é incluir cláusulas específicas sobre o repasse de novos tributos, mas isso apenas cristalizará o aumento para o locatário.

Em última análise, a nova tributação sobre aluguéis é um tiro no pé da economia. Sob o pretexto de simplificar e tornar o sistema mais justo, o governo cria um mecanismo que desestimula o investimento em um setor que gera empregos na construção civil, movimenta o comércio de materiais e oferece a milhões de brasileiros a única alternativa viável de moradia. Ao invés de incentivar a formalização e a oferta de imóveis para alugar, a reforma pune quem investe e quem aluga. O sonho da casa própria, já distante para muitos, torna-se ainda mais ilusório quando o custo de alugar uma casa simples sobe de forma abrupta. O aumento de 190% em alguns casos não é um mero número alarmista; é a materialização de uma política fiscal short-sighted que, ao tentar aumentar a arrecadação a qualquer custo, pode estrangular o mercado e inflacionar o preço de uma necessidade básica: o direito à moradia. O custo de vida no Brasil acaba de ganhar mais um item de luxo.

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